Wednesday, December 05, 2007

Rifa-se uma noite no paraíso

Rifa-me. Este seria o nome de O céu de Suely caso a tradução para o inglês não fosse Suely in the sky. Inspirado pela música Lucy in the sky with diamonds, gravada em 1967 pelos Beatles, o filme de Karim Aïnouz foi, então, renomeado. O drama de 88 minutos lançado ano passado marca a estréia de Hermila Guedes como protagonista e a confirmação do sucesso de João Miguel no cinema nacional.
Na trama, Hermila (Hermila Guedes) é uma mulher de 21 anos que volta à sua cidade de origem, Iguatu, localizada no interior do Ceará, em busca de melhores condições de vida. Porém, a volta não é mais só. Agora a jovem carrega nos braços Mateuzinho, seu filho, e espera a chegada de Mateus, pai da criança, que ficou em São Paulo para terminar de ajustar alguns assuntos. O tempo passa e Mateus nunca chega. Farta de esperar e com uma incrível vontade de recomeçar sua vida, Hermila toma uma decisão: rifar seu próprio corpo para conseguir dinheiro e comprar passagens de ônibus para a cidade mais distante que conseguir.
Do mesmo diretor de Madame Satã, o delicado e sutil O céu de Suely abarcou dezenas de prêmios de destaque no cenário nacional e internacional como o Troféu Redentor de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz (Hermila Guedes) no Festival do Rio, melhor filme e melhor atriz no Festival de Havana (Cuba), melhor filme no Festival de Punta Del Leste (Uruguai) e melhor roteiro, mérito artístico e o prêmio FIPRESCI no Festival de Salônica (Grécia).
O filme, que tem em sua equipe o já consagrado produtor Walter Salles, é mais um tapa com luvas de pelica naqueles que insistem em não acreditar no cinema brasileiro. Uma história simples, bem amarrada e, principalmente, sensível. Em vez de dar destaque às mazelas sociais que assolam o sertão do nordeste, o enfoque da narrativa é o sentimento dos personagens, a vontade de transformar o destino que lhes foi imposto, o desejo de conquistar um pedaço do céu, que tem preço.
O ponto forte da obra é, sem dúvidas, a fotografia de Walter Carvalho. O vermelho é mais vermelho, o amarelo é mais amarelo e, assim, as cenas são mais verdade. O espectador é colocado a observar os objetos certos e marcantes. Uma verdadeira aula de cores e sombras. A trilha sonora é também o grande acerto do filme. Do tecnobrega à canção alemã o diretor busca, através da música, retratar a enorme mistura de estilos e culturas características do nordeste brasileiro.
Na verdade O Céu de Suely tem todas as características para ser mais um filme que fala da jovem mãe solteira pobre, nordestina e abandonada que vende o corpo como única forma de sobreviver. Mas não. Ele vai além, pois é forte, é intenso. Todos os personagens são muito bem definidos e vivem, sem pesar ou melancolia, “a dor e a delícia de ser o que se é”.