Wednesday, April 01, 2009

Impressões primárias de uma peça espetacular

Ao entrar na sala de teatro a primeira surpresa: cortinas abertas, palco aceso, cenário montado e todos os atores já em cena. Com o passar dos minutos alguns deles começam a andar por entre as poltronas e a criar um ambiente de total intimidade com o público. Com as luzes ainda acesas, é possível averiguar todos os detalhes do cenário, que encantou pela simplicidade e funcionalidade.

Segunda surpresa: o cenário vira ao avesso! Os próprios atores se encarregam de mexê-lo e remexê-lo de acordo com a narrativa. É a entrada da província de Setsuan que vira tabacaria, que vira altar de igreja, que vira mesa de julgamento e que vira um dos pontos mais marcantes da peça. Além disso, objetos cênicos simples, como sombrinha e papel picado utilizados no momento certo, mostram como é possível transformar o espaço e torná-lo delicado sem complicações.



Em relação ao texto de Brecht e à adaptação feita por Marco Antônio Braz e Marcos Cesana os comentários tornam-se dispensáveis. A facilidade com que conseguem passar boas mensagens em meio à grande onda de humor é algo fascinante. A força do texto pode ser conferida na cena em que Chen Tê, interpretado por Denise Fraga, travestida de primo Chui Ta, descobre que o aviador não gosta dela da maneira com que pensava, são apenas interesses financeiros camuflados em demonstrações de amor.

A trilha sonora de Théo Wernek, delicada e pontual, aliada à iluminação de Wagner Freire, afinada e monocromática, garantem o bom gosto e o requinte do espetáculo. Luz branca durante quase toda a peça, com alteração apenas de intensidade e localização, desbancaram os ditos “bam bam bans” da iluminação, com todas aquelas parafernálias multicoloridas.

Se pudesse escolher uma única parte do espetáculo para guardar na lembrança, certamente seria o momento em que o aviador Sun entra em cena com um aviãozinho de brinquedo. É o fragmento da peça em que se pode perceber a sintonia perfeita entre sonorização, cenário, iluminação, figurino e boa atuação. Destaque também para a atuação de Maurício Marques, que interpreta o maltrapilho Wang, e é responsável por momentos incríveis de riso e melancolia, tristeza e alegria, que se mesclaram com maestria durante todo o espetáculo.

Parabéns à produção e curadoria do Usicultura, por terem trazido e fomentado na região um espetáculo tão bonito quanto "A alma boa de Setsuan".